quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Mais um conto...

Os passos eram apressados. Fazia jus ao dito popular “tirar o pai da forca”. Ansiava chegar em casa como nunca ansiou algo na vida. Por que a fila no banco estava tão grande? Quando lembrava da lentidão com que a atendente realizava o seu serviço, a ansiedade cedia lugar à ira. A tarde havia sido muito agitada. As coisas haviam fugido de seu controle. Tudo se complicou ainda mais quando encontrou com uma antiga colega de escola. Falava como uma matraca... O que lhe interessava se havia casado e tido filhos? A sua profissão e coisas do gênero? Nunca foram grandes amigos e agora estava ali, diante de uma quase desconhecida, obrigado a escutar histórias patéticas e maçantes. Tinha vontade de calar a boca daquela criatura, mas a boa educação não o permitia. Olhava insistentemente para o relógio: não tardaria a anoitecer. Ela, como as demais pessoas que conhecia, certamente não imaginava que havia um limite que jamais deveria ser violado, uma regra que jamais poderia ser transgredida: em hipótese alguma poderia estar na rua ao anoitecer.
Caro leitor, esta poderia ser uma história de vampiros, um terror assombroso, com pinceladas de sobrenatural: sinto decepcioná-lo. O episódio narrado é somente um dia corriqueiro, de um cidadão “comum”, que provavelmente se repete todos os dias, sem que tenhamos conhecimento. O que não significa que seja menos assustador...
Dobrou a esquina, apertou ainda mais o passo. Olhava insistentemente para todos os lados. Sentia que o inimigo estava próximo. A rua mal iluminada contribuía para o crescimento de seu desespero, o qual chegou ao ápice quando escutou passos atrás de si. Estaria imaginando coisas? Não, não podia ser... Andou mais depressa e teve a sensação que a criatura o seguia. Seria um assaltante? Certamente... via todos os dias na televisão casos de pessoas que eram assaltadas e... Meu Deus!... Poderia ser pior! E se fosse um assassino? Sentiu um nó na garganta, a essa altura já suava frio. A situação piorou quando ouviu um barulho, como se o “assassino” abrisse uma bolsa. Pensou: estou morto! Está pegando o revólver!
Já conseguia imaginar seu funeral. Pode parecer estranho, mas a idéia não lhe desagradou totalmente, afinal, todos aqueles que riam dele, que o chamavam de louco por não sair às ruas à noite, por calcular cuidadosamente cada passo a ser dado, veriam que o perigo era real! Veriam que ele não era um medroso! Afinal, tinha culpa se confiava somente em si mesmo? Se as outras pessoas eram tão violentas?... Os noticiários comprovavam todos os dias a sua teoria: não havia restado pessoas honestas no mundo. Ele era o único. Toc, toc, toc, os passos continuavam, o que interrompeu seu pensamento. Estavam mais próximos... cada vez mais próximos... Até que... ESTAVAM A SEU LADO! Não pôde reprimir um grito de horror! Fechou os olhos e esperou pelo pior!
S I L Ê N C I O ...
Cadê o pior?
Não veio...
Abriu os olhos: uma velhinha dobrava a esquina segurando um guarda-chuva. O medo havia sido tão grande que nem notou que começava a chuviscar... Certamente isso explicava o barulho da bolsa: era um guarda-chuva e não um revólver! Respirou aliviado e continuou caminhando, já estava próximo de casa. Entrou correndo, fechou a porta atrás de si com um sorriso no rosto. Estava em casa! Tomou um banho, comeu tranqüilamente, viu televisão. Estava feliz!... Nada se comparava à segurança do seu lar! Deitou em sua cama, estava exausto, porém já fazia os cálculos em sua mente para que o atraso não se repetisse no outro dia. Refez mentalmente cada trajeto para que quando anoitecesse já estivesse em seu lar. Todo cuidado era pouco...
O sono ia chegando lentamente... Aconchegou-se. A idéia de estar em segurança o acalentava. Fechou os olhos.
Cadê o pior?
Desta vez o pior veio.

4 comentários:

  1. Puxa Josi! A cada dia admiro mais ainda vc.... Parabéns amiga por saber brincar tão bem com a realidade que nos cerca, tirando proveito do cotidiano cria coisas inteligentes e gostosas de ler....

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  2. Ótimo conto...parabéns!!!
    Não tem nada mais assustador do que o medo da violência que nos ronda hoje em dia...

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  3. Muito bom texto!!!
    Pode ser uma sindrome do panico...
    Adorei o blog...
    Vc desenha tb neh.
    Que veia artistica ein...
    parabens

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