terça-feira, 6 de novembro de 2012

A mão do amor

*Arte de Francisco Vilela da Silva 



Eu queria que a mão do amor
Um dia trançasse
Os fios do nosso destino
Bordadeira fazendo tricô

Em cada ponto que desse
Amarrasse a dor
Em cada ponto que desse
Amarrasse a dor

Como quem faz um crochê
Uma renda, um filó
Unisse as pontas do nosso querer
E desse um nó

Maria Bethânia

Ter ou não ter namorado? Eis a questão




Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.

Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.

Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.

Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.

Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.

Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.

Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.

Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d’água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.

Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.

Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.

Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.

Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200 Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.

Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.

Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.



Enlou-cresça!

(Artur da Távola. In: Amor a sim mesmo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.)

Observação: em alguns sites, a autoria desse texto é erroneamente atribuída a Carlos Drummond de Andrade.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Teresinha



O primeiro me chegou
Como quem vem do florista:
Trouxe um bicho de pelúcia,
Trouxe um broche de ametista.
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha.
Me mostrou o seu relógio;
Me chamava de rainha.

Me encontrou tão desarmada,
Que tocou meu coração,
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse "não".

O segundo me chegou
Como quem chega do bar:
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar.
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida.
Vasculhou minha gaveta;
Me chamava de perdida.

Me encontrou tão desarmada,
Que arranhou meu coração,
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse "não".

O terceiro me chegou
Como quem chega do nada:
Ele não me trouxe nada,
Também nada perguntou.
Mal sei como ele se chama,
Mas entendo o que ele quer!
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher.

Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não,
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração.

Chico Buarque

Valsinha




Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar

E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz

Chico Buarque

sábado, 15 de setembro de 2012

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)


A Carlos Heitor Cony


Artigo I 
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II 
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III 
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV 
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único: 
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V 
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI 
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII 
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX 
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X 
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI 
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII 
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único: 
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII 
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final. 
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


Santiago do Chile, abril de 1964

Thiago de Mello

domingo, 9 de setembro de 2012

Procura (Cora Coralina)





Andei pelos caminhos da Vida
Caminhei pelas ruas do Destino -
procurando meu signo.
Bati na porta da Fortuna,
mandou dizer que não estava.
Bati na porta da Fama,
falou que não podia atender.
Procurei na casa da Felicidade,
a vizinha da frente me informou
que ela tinha mudado
sem deixar novo endereço.
Procurei a porta da Fortaleza.
Ela me fez entrar: deu-me veste nova,
perfumou-me os cabelos,
fez me beber de seu vinho.
Acertei meu caminho.

sábado, 11 de agosto de 2012

Daniel Munduruku




A escrita é uma técnica. É preciso dominar essa técnica com perfeição para poder utilizá-la a favor da gente indígena. 
Técnica não é negação do que se é. 
Ao contrário, é afirmação de competência. 
É demonstração de capacidade de transformar a memória em identidade, pois ela reafirma o ser na medida em que precisa adentrar no universo mítico para dar-se a conhecer ao outro.


(Daniel Munduruku)


Escrita indígena: registro, oralidade e literatura: O reencontro da memória. Disponível em: http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=51

Literatura indígena


"Ê, ê, ê, ê, ê, Índio quer apito, 
Se não der pau vai comer! "

Em pleno século XXI, por incrível que pareça, essa é a visão simplista de muita gente em relação aos povos indígenas. Cercados de tabus e estereótipos, escritores indígenas tem mantido uma luta constante para divulgar os valores desses povos há tanto tempo negligenciados.
Deixo abaixo um exemplo de escrita dilacerante, que dispensa qualquer explicação.



"As mulheres indígenas do planeta terão suas terras roubadas, suas culturas e espiritualidades dilaceradas, suas vidas ceifadas e gerações e gerações de filhos discriminados na sociedade urbana e rural e desprezados pelos políticos e empresários. Terão suas culturas penduradas em Museus ou demonstradas em desfiles de Carnaval, como seres do passado, ou do folclore. Servirão de chacotas em cidadelas e pedirão esmolas. Os homens se embriagarão e ficarão fracos ou loucos. Seus filhos serão frágeis e uma onda de extermínio acobertará tribos inteiras, até que mulheres e homens fortes, como muitos líderes que virão ouçam a voz da ancestralidade, vejam as marcas de jenipapo cravadas nas caras étnicas como uma marca imposta por Mim - NHENDIRU, o Criador - e que sintam a chama eterna da IDENTIDADE INDÍGENA para ser respeitada e aceita, como um exemplo para o planeta terra. Exemplo de uma etnia humana que sangrou, retomou a voz ancestral e ética e sobreviveu a todo o processo de escravidão do passado e do presente e que realmente possa ensinar a filosofia da igualdade e fraternidade. Porque os povos indígenas são meus filhos primogênitos dos cinco continentes, foram os primeiros que Eu coloquei neste planeta, por conhecerem o princípio ético do equilíbrio na natureza. Povos indígenas devem ser exemplo do BOM CONVÍVIO COM A SOCIEDADE E A NATUREZA. Exemplo de prosperidade ética e espiritual." 

Trecho do texto: Quer ser mulher? Perguntou Deus! - Por Eliane Potiguara


ELIANE POTIGUARA
Cidade dos Cristais, RJ, Brasil

Escritora que corre mundo e escreve os caminhos e descaminhos da vida. Eliane Potiguara (Brasil)Foi indicada em 2005 ao Projeto Internacional "Mil mulheres ao Prêmio Nobel da Paz", é escritora, poeta, professora, formada em Letras (Português-Literatura) e Educação, ascendência indígena Potiguara, brasileira, fundadora do GRUMIN / Grupo Mulher-Educação Indígena. Membro do Inbrapi, Nearin, Comitê Intertribal, Ashoka (empreendedores sociais), Associação pela Paz, Cônsul de Poetas Del Mundo. Trabalhou pela Declaração Universal dos Direitos Indígenas na ONU em Genebra. Seu último livro é “METADE CARA, METADE MÁSCARA”, pela Global Editora. Ganhou o Prêmio do PEN CLUB da Inglaterra e do Fundo Livre de Expressão, USA. Site pessoal: http://www.elianepotiguara.org.br/  

OBS.: Descrição extraída do site da autora.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O meu preço (José Craveirinha)



Eu cidadão anónimo
do País que mais amo sem dizer o nome
se é para me dar de corpo e alma
dou-me todo como daquela vez em Chaimite.
Dou-me em troca de mil crianças felizes
nenhum velho a pedir esmola
uma escola em cada bairro
salário justo nas oficinas
filas de camiões carregados de hortaliças
um exército de operários todos com serviço
um tesouro de belas raparigas maravilhando as praias
e ao vento da minha terra uma grande bandeira sem quinas.

Se é para me dar
dou-me de graça por conta disso.

Mas se é para me vender
vendo-me mas vendo-me muito caro.

Ao preço incondicional
de quanto me pode custar este poema.

(Cela 1. Maputo: Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1980, p. 43)

sábado, 21 de julho de 2012

Interpretação de textos não é mistério!


Você é daqueles que treme na hora de interpretar um texto? Acha que os autores são verdadeiros malucos e que sua interpretação nunca está de acordo com os gabaritos das provas de concursos e vestibulares? Bom, tenho uma boa notícia: compreender o sentido de um texto pode ser muito mais tranquilo do que você pensa!
Vejamos...

INOCENTES DO LEBLON*
Carlos Drummond Andrade

Os inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe emigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.


Uma leitura inicial do poema não nos transmite muitas informações, não é mesmo? Quem seriam os inocentes do Leblon? Que navio seria esse, com  bailarinas, imigrantes, “grama de rádio”?
Tudo começa, no entanto, a fazer sentido se levarmos em conta que tal poema foi publicado no livro Sentimento de mundo,  em 1940. E qual era o contexto sociopolítico dessa época? Isso mesmo, acertou se você respondeu SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.


Ah, então, agora ficou mais “fácil”, não é mesmo? Afinal, falar em Segunda Guerra Mundial traz a nossa memória o sofrimento imposto pelos nazistas , o grande número de refugiados europeus (que imigravam nos navios)  e, sem dúvidas, a recordação mais devastadora: o uso de bombas nucleares. Assim, vemos  que ao utilizar o termo “os inocentes do Leblon”, o poeta faz uma contundente crítica á alienação – vale lembrar que o Brasil começou a participar do conflito somente em 1942 . Desse modo, enquanto o mundo passava por profundas transformações, enquanto imigrantes, refugiados da guerra, desembarcavam no país, com seus corpos impregnados por “um grama de rádio” (elemento radioativo), as pessoas  continuavam priorizando a “areia quente” e o “óleo suave”, no verão carioca.

O mais surpreendente é que podemos fazer uma analogia com os dias atuais, afinal, enquanto diversas nações reivindicam seus direitos sociopolíticos, o brasileiro segue cantando: "eu quero tchu, eu quero tcha..."

Agora, que você possui tais informações, releia o poema... Ficou mais claro?

Não é mágica, é Literatura!

Abraço e, até a próxima!


*ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundoSão Paulo: Companhia das Letras,  2012.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Paulina Chiziane


Em todas as guerras do mundo nunca houve arma mais fulminante que a
mulher, mas é aos homens que cabem as honras de generais.

(Paulina Chiziane. Ventos do Apocalipse)



Ela aprendeu a escrever debaixo de uma árvore, 
rabiscando as primeiras palavras na areia. 
Hoje, seus textos são traduzidos para os mais diversos idiomas.
A primeira moçambicana a publicar um livro.
Sensibilidade, inteligência, militância.
Uma contadora de histórias, uma observadora do mundo!


sábado, 7 de julho de 2012

Possibilidades


(Josiléa Pinheiro)














E se o amor acabar?
Se a lágrima rolar?
Se der vontade desistir?
Se o alicerce ruir?
Sem explicação,
acharei graça da dor.
Cantarei em outro tom
Dançarei um novo ritmo
Inventarei uma nova história
E, se não for suficiente,
farei um acordo com a lógica:
Jamais a encontrarei novamente...
                                ...simplesmente.


sábado, 19 de maio de 2012

Cultura

Arnaldo Antunes
O Globo: 26/07/2009










O girino é o peixinho do sapo.
O silêncio é o começo do papo.
O bigode é a antena do gato.
O cavalo é o pasto do carrapato.
O cabrito é o cordeiro da cabra.
O pescoço é a barriga da cobra.
O leitão é um porquinho mais novo.
A galinha é um pouquinho do ovo.
O desejo é o começo do corpo.
Engordar é tarefa do porco.
A cegonha é a girafa do ganso.
O cachorro é um lobo mais manso.
O escuro é a metade da zebra.
As raízes são as veias da seiva.
O camelo é um cavalo sem sede.
Tartaruga por dentro é parede.
O potrinho é o bezerro da égua.
A batalha é o começo da trégua.
Papagaio é um dragão miniatura.
Bactéria num meio é cultura.                

domingo, 11 de março de 2012

No caminho com Maiakovski (Fragmento)



Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Eduardo Alves da Costa

Refletindo...

Desajustado social, incompreendido pela família e pela sociedade...
Uma mente absolutamente inquieta.
Vincent Van Gogh

Uma criança com dificuldades na fala,
um aluno com graves problemas de memorização.
Albert Einstein 

Portador de uma saúde frágil, sofria de gagueira e epilepsia.
Era discriminado por sua cor. 
Machado de Assis

Perdeu a visão na infância e ficou órfão aos 15 anos.
Ray Charles

Foi expulso do Colégio Anchieta de Nova Friburgo/RJ por
"insubordinação mental".
Carlos Drummond de Andrade

Nem mesmo as circunstâncias impediram que se tornassem “imortais”...

Não permitamos que os problemas sejam maiores que os nossos sonhos!

Boa semana!


quinta-feira, 8 de março de 2012

A MULHER BOAZINHA


Qual o elogio que uma mulher adora receber? Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui uns setecentos: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles físicos ou morais. Diga que ela é uma mulher inteligente, e ela irá com a sua cara. Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número. Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa.
Mas não pense que o jogo está ganho: manter o cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta. Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que ela é um avião no mundo dos negócios. Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical.
 Agora quer ver o mundo cair? Diga que ela é muito boazinha.

 Descreva aí uma mulher boazinha. Voz fina, roupas pastel, calçados rente ao chão. Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana.
Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor. Nunca teve um chilique. Nunca colocou os pés num show de rock. É queridinha. Pequeninha. Educadinha.

 Enfim, uma mulher boazinha.

 Fomos boazinhas por séculos. Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas. Vivíamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos. A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho. Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa.
Quietinhas, mas inquietas.

 Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas. Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais. Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen. Ser chamada de patricinha é ofensa mortal. Pitchulinha é coisa de retardada. Quem gosta de diminutivos, definha. Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa. Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. As boazinhas não têm defeitos. Não têm atitude. Conformam-se com a coadjuvância. PH neutro.
Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos. Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje.Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos. As “inhas” não moram mais aqui. Foram para o espaço, sozinhas.
Martha Medeiros