sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

As mãos meio vacilantes seguram o lápis.
A partir desse momento sinto como se o mundo parasse. Estou em uma outra dimensão.
Pode parecer estranho, mas essa é a sensação que tenho quando desenho(e também quando escrevo). Há muito tempo não me dava ao luxo de rabiscar,mas é surpreendente a liberdade que "essa história de blog" dá para a gente! O título lá em cima é prova disso, é o primeiro desenho que fiz, depois de muitos anos (embora eu não seja tão velha assim)...
Desse modo, o conto Medo tem um significado especial para mim: possibilitou que desenterrasse uma paixão há muito escondida. Possibilitou que a “escrevedora” compartilhasse lugar com a “desenhadora” ou “rabiscadora”, como quiserem...
Eis o resultado...

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Mais um conto...

Os passos eram apressados. Fazia jus ao dito popular “tirar o pai da forca”. Ansiava chegar em casa como nunca ansiou algo na vida. Por que a fila no banco estava tão grande? Quando lembrava da lentidão com que a atendente realizava o seu serviço, a ansiedade cedia lugar à ira. A tarde havia sido muito agitada. As coisas haviam fugido de seu controle. Tudo se complicou ainda mais quando encontrou com uma antiga colega de escola. Falava como uma matraca... O que lhe interessava se havia casado e tido filhos? A sua profissão e coisas do gênero? Nunca foram grandes amigos e agora estava ali, diante de uma quase desconhecida, obrigado a escutar histórias patéticas e maçantes. Tinha vontade de calar a boca daquela criatura, mas a boa educação não o permitia. Olhava insistentemente para o relógio: não tardaria a anoitecer. Ela, como as demais pessoas que conhecia, certamente não imaginava que havia um limite que jamais deveria ser violado, uma regra que jamais poderia ser transgredida: em hipótese alguma poderia estar na rua ao anoitecer.
Caro leitor, esta poderia ser uma história de vampiros, um terror assombroso, com pinceladas de sobrenatural: sinto decepcioná-lo. O episódio narrado é somente um dia corriqueiro, de um cidadão “comum”, que provavelmente se repete todos os dias, sem que tenhamos conhecimento. O que não significa que seja menos assustador...
Dobrou a esquina, apertou ainda mais o passo. Olhava insistentemente para todos os lados. Sentia que o inimigo estava próximo. A rua mal iluminada contribuía para o crescimento de seu desespero, o qual chegou ao ápice quando escutou passos atrás de si. Estaria imaginando coisas? Não, não podia ser... Andou mais depressa e teve a sensação que a criatura o seguia. Seria um assaltante? Certamente... via todos os dias na televisão casos de pessoas que eram assaltadas e... Meu Deus!... Poderia ser pior! E se fosse um assassino? Sentiu um nó na garganta, a essa altura já suava frio. A situação piorou quando ouviu um barulho, como se o “assassino” abrisse uma bolsa. Pensou: estou morto! Está pegando o revólver!
Já conseguia imaginar seu funeral. Pode parecer estranho, mas a idéia não lhe desagradou totalmente, afinal, todos aqueles que riam dele, que o chamavam de louco por não sair às ruas à noite, por calcular cuidadosamente cada passo a ser dado, veriam que o perigo era real! Veriam que ele não era um medroso! Afinal, tinha culpa se confiava somente em si mesmo? Se as outras pessoas eram tão violentas?... Os noticiários comprovavam todos os dias a sua teoria: não havia restado pessoas honestas no mundo. Ele era o único. Toc, toc, toc, os passos continuavam, o que interrompeu seu pensamento. Estavam mais próximos... cada vez mais próximos... Até que... ESTAVAM A SEU LADO! Não pôde reprimir um grito de horror! Fechou os olhos e esperou pelo pior!
S I L Ê N C I O ...
Cadê o pior?
Não veio...
Abriu os olhos: uma velhinha dobrava a esquina segurando um guarda-chuva. O medo havia sido tão grande que nem notou que começava a chuviscar... Certamente isso explicava o barulho da bolsa: era um guarda-chuva e não um revólver! Respirou aliviado e continuou caminhando, já estava próximo de casa. Entrou correndo, fechou a porta atrás de si com um sorriso no rosto. Estava em casa! Tomou um banho, comeu tranqüilamente, viu televisão. Estava feliz!... Nada se comparava à segurança do seu lar! Deitou em sua cama, estava exausto, porém já fazia os cálculos em sua mente para que o atraso não se repetisse no outro dia. Refez mentalmente cada trajeto para que quando anoitecesse já estivesse em seu lar. Todo cuidado era pouco...
O sono ia chegando lentamente... Aconchegou-se. A idéia de estar em segurança o acalentava. Fechou os olhos.
Cadê o pior?
Desta vez o pior veio.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Quadrinho é coisa de criança?



Se você é uma daquelas pessoas que torce o nariz quando vê um adulto lendo histórias em quadrinhos, ou pior, adora uma “história quadriculada”, mas tem vergonha de admitir porque todo mundo diz que “é coisa de criança”... Você realmente precisa rever seus conceitos!
Já se foi o tempo em que o tema dos quadrinhos se restringia às aos super-heróis ou aos mimosos personagens Disney. Hoje é possível não somente se divertir, mas também se emocionar com narrativas cuja arte vai muito além dos elaborados traços dos artistas.
Deixo aqui uma dica, dos muitos títulos que estão surgindo nas livrarias (isso aí, LIVRARIAS, não na centenária banca de jornal).



PERSÉPOLIS



Persépolis é a autobiografia em quadrinhos da iraniana Marjane Satrapi e, nesta edição, é publicada em volume único, que reúne as quatro partes da história. Marjane Satrapi tinha apenas dez anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita - apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa. Vinte e cinco anos depois, com os olhos da menina que foi e a consciência política à flor da pele da adulta em que se transformou, Marjane emocionou leitores de todo o mundo com essa autobiografia em quadrinhos, que só na França vendeu mais de 400 mil exemplares. Em Persépolis, o pop encontra o épico, o oriente toca o ocidente, o humor se infiltra no drama - e o Irã parece muito mais próximo do que poderíamos suspeitar.
Resumo extraído do site: www.biglivros.com.br/



Resumindo: um dos melhores livros que já li! Vale a pena!

sábado, 10 de janeiro de 2009

O que fazer quando escutamos um “não”? Algumas vezes essa palavrinha com apenas três letras adquire o peso do mundo, além de funcionar como uma eficiente aniquiladora de sonhos... Nem sempre, porém, precisa ser assim: há momentos em que um “não” serve apenas para aparar nossas asas, a fim de que mais tarde elas cresçam com mais força...

Eis mais um conto cujo tema é essa menina travessa que chamamos de "liberdade".

OBS: O tema é tão sugestivo, que a minha imaginação adquiriu vontade própria e se recusa a inventar um título... Ela adora essa história de ser livre!...
Por isso, aceito sugestões!

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Um dia descobriu que podia voar. Na verdade, tudo começou na infância, entre uma brincadeira e outra, quando o mundo parecia a seus olhos uma grande máquina de inventar. No início não se importou muito... era um menino ocupado com seus brinquedos e estripulias, não tinha tempo a perder. Levantava cedo da cama, olhava para o céu e admirava a dança meio desengonçada das nuvens. Então, fazia o que mais gostava: corria sem limites, desafiava o vento e, se o dia estivesse chuvoso, sem problemas, abraçava a chuva e esperava ansiosamente para colher os primeiros raios de sol, os quais ia espalhando devagarzinho pelo caminho. Era um espetáculo tão bonito que até o entardecer dava um jeitinho de chegar mais cedo para ver o menino passar! Quando vinha a noite, esticava os braços, como se pudesse alcançar as estrelas, que por sua vez brincavam de se esconder somente para escutar o som de sua gargalhada.
Em um desses dias, porém, o menino acordou diferente: não quis apostar corrida com o vento, sequer reparou que chovia e não colheu nem um raiozinho de Sol: de repente tudo havia perdido a cor... Pôs-se a lembrar da mãe, suas últimas palavras, seu olhar angustiado, momentos antes de virar anjo. Assim, sentindo em seus ombros o peso do mundo, o menino encurvou-se e deitou debaixo de uma árvore, fechou os olhos, sentiu uma lágrima escorrer em sua face e desejou ir para bem longe... Não se sabe ao certo o que acontece quando desejamos algo com muita vontade, mas, o fato é que algumas vezes a linha que separa o sonho da realidade simplesmente deixa de existir.
Ainda de olhos fechados, o menino sentiu que seus pés já não tocavam o chão. Medo e surpresa disputavam um espaço no interior de seu pequeno e franzino corpo. E se caísse? Tal pensamento lhe proporcionava uma insegurança que o impedia de olhar ao redor. Não devemos, porém, subestimar a curiosidade de uma criança: respirou fundo, encolheu os ombros e foi abrindo os olhos devagarzinho... A visão era belíssima... Em sua mente infantil jamais havia imaginado a existência de tantas cores, tantas formas, tantos seres... Realmente podia voar!
O medo transformou-se em prazer e, nosso herói conheceu muitos lugares, visitou terras inexploradas e culturas inimagináveis, o que lhe deu uma idéia: poderia relatar cada viagem, cada novo amigo, cada aventura vivida em um diário. Seu caderninho se tornou, então, um companheiro inseparável. Seu maior prazer era sentar-se em uma torre ou montanha bem alta e reproduzir com seus traços coloridos as paisagens, as pessoas se movimentando apressadas de lá para cá sem se darem conta de que eram observadas por um atento par de olhinhos.
Durante algum tempo o menino caminhou lado a lado com a liberdade. Tornaram-se grandes amigos... Mas, infelizmente, nem tudo é eterno e, um dia, seu pai, que vinha notando a crescente ausência do filho, cobrou explicações. O menino engasgou, procurou as palavras certas, porém, sem saída, soltou:
– Pai, eu sei voar!...
Ao contrário do esperado, o pai não esbravejou, não mostrou qualquer sinal de irritação, simplesmente abaixou os olhos e disse com uma vozinha fraca, quase sumindo, refletindo uma dor que o menino jamais teria imaginado existir:
– Não sabe, não.
Desde esse dia não houve mais passeios ao redor do mundo, o caderninho ficou abandonado em uma gaveta e o nosso menino se tornou uma criança “normal”. Aos poucos a adolescência foi retirando os pedacinhos de infância que ainda restavam e, a dança desengonçada das nuvens, a corrida com o vento e os raios de sol lançados pelo caminho tornaram-se reminiscências a cada momento mais distantes... Nem mesmo as estrelas jamais voltaram a ouvir suas gargalhadas.
Até que chegou o dia em que, definitivamente, o menino, agora homem, foi embora. Suas viagens ganharam um propósito diferente. Já não precisava desejar intensamente, bastava comprar uma passagem de avião. As torres e montanhas foram trocadas por hotéis caros e luxuosos. Já não desenhava as paisagens e as pessoas, afinal, não havia mais aventuras nem amigos. Alcançara, porém, seu objetivo, conseguira agradar seu pai.
Em meio à sua vida agitada, uma triste notícia. O “menino” retorna. Refaz o caminho que por tantas vezes adornou com os raios de sol. Entra em casa, mira-se no espelho, repara no terno elegante, nos sapatos caríssimos, que de repente perderam todo seu valor... Revê seus brinquedos, começa a lembrar de suas aventuras... sobe as escadas correndo, revira as gavetas. Em sua mente um misto de passado e presente... as palavras de consolo há pouco, no funeral do pai... a sensação de vazio experimentada na partida de sua mãe...sensações confusas, há pouco desenterradas... Encontra o caderno, as páginas amareladas pelo tempo... Relê suas anotações... acha graça, se emociona... Recorda as belas viagens... Experimenta mais uma vez a doce companhia de sua amiga liberdade, que se aproxima devagar. Fecha os olhos, nada mais importa.

E, quando se dá conta, seus pés já não alcançam o chão...

domingo, 4 de janeiro de 2009

LIBERDADE


Quantas vezes nos sentimos realmente livres ao longo de nossas vidas? Dificilmente alguém pode dar uma resposta a tal questionamento sem parar pelo menos um instante para refletir. Alguns responderiam que são livres por possuirem um negócio, outros por terem adquirido a tão sonhada casa própria... Mas, será que a liberdade se resume a isso? Justamente por considerar o tema intrigante, iniciei uma série de contos que falam de alguma forma sobre a possibilidade de sermos livres, no sentido mais abrangente da palavra. Dom Quixote urbano é o primeiro... Espero que gostem!

sábado, 3 de janeiro de 2009

DOM QUIXOTE URBANO


O relógio marcava seis horas. Detestava o barulho do despertador, pois era o sinal de mais um dia rotineiro. Levantou-se lentamente... Poderia parecer estranho, mas sentia que aquele dia não seria como os outros. Durante o café ficou em silêncio todo o tempo, pôs-se a observar a esposa, seus olhos, seu sorriso... Como pôde ignorar sua beleza por tanto tempo? A mulher meio desconfiada perguntou se estava tudo bem. Com um aceno respondeu que sim. Alheias, as crianças brincavam e conversavam alegremente enquanto devoravam um pedaço de pão. Eram seus herdeiros... Herdeiros? Sequer possuíam um teto... O pequeno cômodo alugado onde moravam mal dava para os quatro sobreviverem!
Contrariando, porém, toda expectativa, naquele dia se sentia um rei. A rainha, na borda do fogão e seus dois pequenos príncipes, com seus uniformes surrados de uma escola pública, pareciam a seus olhos a mais linda família que alguém poderia ter. Antes de sair deu em cada um deles um beijo demorado, se perguntando como nunca havia reparado que era tão rico! A expressão da esposa era agora de assombro. O que teria acontecido para que o marido ficasse tão estranho? Sacudiu os ombros e deduziu que “aquilo devia ser coisa de momento”.
Agora na rua, João – este era o seu nome – fazia o trajeto que o conduziria ao trabalho. Não tomou o ônibus, como de costume. Sentiu uma inexplicável vontade de caminhar... o mundo hoje se apresentava tão diferente a seus olhos... Olhou para o céu, fazia tempo que não notava a sua existência... Estava azul, um azul tão bonito, que não pôde disfarçar um sorriso. Chegou ao centro da cidade e, de repente viu os arranha-céus, mas... havia alguma coisa diferente... Com as mãos calejadas pelos anos de trabalho pesado, esfregou os olhos, não conseguia compreender... Diante de si os edifícios se transformavam paulatinamente em monstros ameaçadores, como aqueles que via na tv. “Estou ficando louco” , pensou. Mas, tal pensamento não o impediu de se imaginar com uma brilhante armadura dourada e uma espada afiada, a fim de vencer os gigantescos inimigos. Conseguia até imaginar a gratidão das pessoas e os brados de euforia pelo seu ato heróico!
Ainda radiante com sua “coragem”, continuou sua caminhada com passos firmes, até que avistou uma moradora de rua, que todos os dias, durante muitos anos, mendigava no mesmo lugar. Quando se aproximou da mulher, João percebeu que suas roupas, antes rasgadas e sujas foram se transformando em um lindo vestido que, tal como a beleza de seu rosto, encantava a quem olhasse. Ignorando, então, o olhar incrédulo da mendiga, aproximou-se e, prontamente, beijou sua mão, fazendo um gesto de reverência, como se estivesse diante de uma distinta dama. Depois, sem uma palavra, se afastou, mantendo a postura e a firmeza dos passos de um soberano. Nem escutou quando, ainda surpresa, a pedinte balbuciou: “esse aí está pior do que eu!”
Quando finalmente chegou ao trabalho, já não estranhava seus pensamentos de grandeza e realmente acreditava pertencer à realeza. Cumprimentou os companheiros da obra, mas ao invés de começar a fazer massa, pregar tábuas ou carregar tijolos, começou a subir nos andaimes. Passo a passo, o chão parecia se afastar cada vez mais... Até que as pessoas se transformaram em pontinhos minúsculos... Estava no topo, agora era realmente um rei! Já não teria que se preocupar com a comida das crianças, as contas a pagar, o olhar de decepção da mulher a cada dia de privação. Agora era um rei! E, segundo seu conhecimento, um rei poderia fazer tudo! Até mesmo voar...
Sim, poderia fazer tudo! Era um rei! Subiu no parapeito ainda inacabado da construção, meio cambaleante tentou se equilibrar... Sentiu o vento em seu rosto, fechou os olhos, abriu os braços como um pássaro... pôs um pé à frente, depois o outro...
João não plantou um pé de feijão, não se perdeu na floresta, nem foi um apóstolo... Mal conhecia o Dom João, da História do Brasil. O nosso João era um cidadão comum, até um dia acordar rei. Até pensar que poderia voar. Até ter seu corpo cercado por curiosos em uma avenida de uma grande cidade. Até se permitir, por um dia, ser mais que um operário. Até se permitir, ao menos por um dia, ser um sonhador.