domingo, 8 de março de 2009

Mulher

Criada a partir de uma costela.
– Serás a companheira dele.
Não demorou muito para que a harmonia se transformasse em culpa. Vergonha. Enganada por uma serpente. Forma-se um paradoxo: bênção e sofrimento em um só momento. Trazer um novo ser ao mundo: um dom, uma dor.
Agora sua vida é o lar. Lavar, cozinhar, procriar. Amar?
– Serás a companheira dele.
A frase vai perdendo o sentido. A companhia se transforma em sombra.
CONFORMAÇÃO.
Até que... aos poucos sua beleza vai sendo descoberta. Sonetos, pinturas, melodias. Musa de inspiração. Realidade e fantasia se confundem.
– Serás a companheira dele.
Estão cada vez mais distantes. Uma deusa inalcançável. Uma mulher esquecida.
Então, uma geração rebelde grita aos quatro cantos que é preciso mudar. Sutiãs queimados em praças públicas. A tão almejada liberdade!...
Inversão de valores. Agora ela traz o sustento para o lar. Auto- suficiente. Já não precisa lavar, cozinhar, procriar. Amar?
– Serás a companheira dele.
A companhia, no entanto, se transforma em autoridade. Agora é sua patroa.
O tempo, impiedoso, faz questão de lhe mostrar que não era bem isso que almejava. Não deseja os extremos. Nem a submissão nem a autoridade. Deseja ser feliz.
– Serás a companheira dele.
Agora a frase do Criador começa a fazer sentido... Lavar e cozinhar já não são exclusividades dela. Um novo verbo é incluso: compartilhar.
Conhece os mistérios do seu corpo, já não basta procriar. Amar? Conclui que esse verbo nunca abandonará a interrogação, porém, possui agora liberdade para se entregar.
Já não cai na conversa torta da serpente. Sabe muito bem o que deseja.
Retornou ao paraíso? Tudo indicaria que sim, não fosse um porém: possui um novo senhor, ao qual obedece cegamente. Submete-se às suas regras mais absurdas, sequer questiona suas imposições. Tornou-se serva de um padrão, que insiste em afirmar que todas são iguais, que há somente um tipo de beleza. Abre mão de sua felicidade, de sua liberdade. Contenta-se em ser um objeto.
A pecadora, a submissa, a musa, a rebelde. Todas resumidas em uma: a escrava de um bisturi.

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